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Exame de próstata: entenda a polêmica por trás do exame que a OMS NÃO recomenda como rotina anual

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No dia 6 de novembro de 2023, estreou no YouTube a “Campanha Porta dos Fundos pela Sua Porta dos Fundos” – para incentivar a realização de um exame de toque retal para o câncer de próstata. O canal de comédia fez um vídeo com o coração de Antonio Vagondes soltando frases como “deixar um profissional alfinetar seu farmacêutico é a melhor opção para uma vida saudável”.

Campanhas para aproveitar o acesso à bunda, você sabe, são populares em novembro. No início dos anos 2000, na esteira do movimento de conscientização iniciado na Austrália, o mês ficou azul e passou a ser dedicado à prevenção de tumores malignos da próstata, responsáveis por 28,6% das mortes masculinas por câncer em geral.

A doença afeta 65 mil pessoas por ano, matando até 15 mil. 20% dos diagnósticos ocorrem em estágio avançado. Sabe-se que é mais comum em brancos do que em asiáticos, e mais comum em negros do que em brancos – um corte étnico importante, já que 56% da população brasileira é negra. A história familiar também é um fator de risco.

O toque retal, em que o médico insere um dedo no ânus de um homem e toca a próstata por 10 ou 20 segundos em busca de alterações, não é o único no arsenal de proteção. Há também um exame de sangue, onde a disseminação de uma molécula chamada antígeno prostático específico (PSA) pode ser verificada. A concentração de PSA aumenta quando há tumores no órgão (malignos e inofensivos).

A recomendação mais comum é que todo homem com mais de 50 anos de idade seja submetido a um exame digital e um exame de PSA anualmente, mesmo que não haja sintomas (nos casos em que há sintomas, como sangue na urina ou dor ao urinar, não há menção a isso).


Se os resultados forem alarmantes, o próximo passo é realizar uma biópsia de próstata, ou seja: cortar um pedacinho e transferi-lo para o laboratório. Metade dos homens sofre de hiperplasia prostática benigna após os 50 anos, e também há infecções causadas por bactérias – é importante eliminar essas possibilidades para que elas não funcionem em uma pessoa saudável.

Problema: Não há evidências de que os exames anuais para homens assintomáticos reduzam a mortalidade masculina geral (há algumas evidências de que eles reduzem especificamente as mortes por câncer de próstata, mas a um alto custo de sobrediagnóstico, um conceito que entenderemos a seguir).

Por esse motivo, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) recomendam o exame de PSA e toque retal não para todos com mais de 50 anos, mas apenas para aqueles que apresentam sintomas. O mesmo vale para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e autoridades sanitárias da maioria dos países desenvolvidos. Uma das únicas agências brasileiras que mantém a recomendação é a Associação Brasileira de Urologia (SBU).

Pode não adiantar, mas não dói, né? Mais ou menos. Só que nem todos os cânceres são agressivos: muitos crescem tão lentamente que podem ser ignorados e nunca notados. O tratamento, por outro lado, é péssimo para a qualidade de vida do paciente. Nas palavras dos incas: “Muitos, sofrendo de uma doença menos agressiva, tendem a morrer de câncer em vez de câncer. Mas nem sempre é possível dizer, no momento do diagnóstico, quais tumores vão agir fortemente e quais vão crescer lentamente.”


Um estudo na Austrália calculou que a vigilância excessiva teve um impacto: em 2012, 18% dos cânceres em mulheres (11.000 em 55.000) e 24% dos cânceres em homens (18.000 em 77.000) foram diagnosticados desnecessariamente, e 8.600 de 18.000 casos masculinos eram cânceres de próstata. (1) Se os check-ups anuais aumentam o número de diagnósticos e pessoas tratadas, mas não reduzem a mortalidade, há muitas pessoas que lutam à toa com a remoção de órgãos, o que pode causar incontinência urinária e impotência.

Basta ver as conclusões de dois grandes estudos publicados em 2009, que juntos analisaram mais de 200 mil homens e continuam sendo os mais citados sobre o assunto. Em um deles, (2) a taxa de mortalidade foi 13% maior no grupo que realizou exames preventivos do que no grupo que não foi realizado anualmente (o que está dentro da margem de erro, note-se). O outro ainda encontrou uma redução significativa na mortalidade por câncer de próstata, em 20%, no grupo que se submeteu a exames regulares de PSA, (3), mas exigiu 150 biópsias e 48 diagnósticos de câncer para cada vida salva. (4)

Os países que foram na direção oposta colheram resultados encorajadores. Vejamos o caso de outro câncer. A Coreia do Sul começou a diagnosticar 15 vezes mais tumores de tireoide entre 1993 e 2011, quando o governo aumentou seu financiamento para examinar o problema em uma população saudável. Diante dessa improvável epidemia de diagnósticos, fecharam a torneira do dinheiro. O número de cirurgias caiu de 43 mil em 2013 para 28 mil em 2014. (5) Entretanto, a taxa de mortalidade permaneceu idêntica. Em outras palavras: muitas pessoas removeram a glândula à toa, e hoje precisam tomar medicação diariamente para manter os hormônios nos níveis certos.

Ainda há um obstáculo nessa linha de argumentação: estudos na Europa e nos Estados Unidos são feitos com a maioria das populações brancas e, como já dissemos, o câncer de próstata é mais prevalente entre a população negra. Portanto, o ideal é realizar nossa própria pesquisa – não podemos considerar que a demografia brasileira levará a resultados idênticos.

Mas mesmo que se conclua nas próximas décadas que o toque retal e o PSA têm pouco valor preventivo, o combate ao machismo não tornará nada menos necessário para a saúde pública. Não é preciso um empurrão no farmacêutico para desencorajar os homens de visitar um médico. Elas vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres, sofrendo mais de doenças cardíacas, câncer, diabetes, colesterol e hipertensão. Tudo isso é motivo para alocar um mês de nitidez no calendário.

Durante o trabalho dos cientistas, não é difícil descobrir qual decisão é mais sábia para você, uma pessoa com próstata: converse com um médico e faça escolhas informadas. É ótimo entender os riscos e benefícios do PSA ou do teste digital e tomar uma decisão racional que não leve em conta o medo de um procedimento indolor. Mas lembre-se que a saúde de um homem é muito maior do que a da próstata. Historicamente, somos mais viciados em álcool, fumantes e negligência com a saúde do que as mulheres. Nenhum exame, por si só, é uma bala de prata contra isso.

Recursos (1) “Estimating the Magnitude of Excessive Cancer Diagnosis in Australia” por Paul Glasio et al. (2) “Death Results from a Randomized Prostate Cancer Screening Trial”, de Gerald L. Adriol et al. (3) “Rastreamento e mortalidade por câncer de próstata em um estudo europeu randomizado”, de Fritz H. Schröeder e colaboradores (4) “Novembro Cinzento”, de Olavo Amaral na revista Piaoui. (5) “Epidemia de Câncer de Tireoide” da Coreia do Sul – Tide Shift, de Hyung Sik Ahn.

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